“Descobrir o NPEG em toda a sua história, caminho e resultados foi uma experiência inspiradora e gratificante para a equipa do estudo”
Professora Raquel Campos Franco, coordenou a equipa da Católica Porto Business School que desenvolveu um vasto e importante estudo sobre “O Impacto Social das Fundações Portuguesas”. O objetivo principal do estudo foi o de aprofundar a compreensão sobre o impacto social produzido pelas Fundações privadas portuguesas. Que fatores influenciam, então, o impacto social das Fundações?
Neste estudo analisamos em pormenor um conjunto de projetos ou programas em fundações. As fundações foram selecionadas por peritos que as sinalizaram como as que mais impacto social geram, com base nas suas perceções e conhecimento, e nessas, a equipa do estudo selecionou o projeto ou programa que se evidenciou como gerador de impacto social relevante. Com base nesses casos foi possível perceber que existem alguns fatores que potenciam a geração de impacto social. Desde logo, o tipo de problemas a que as fundações dedicam alguns dos projetos ou programas que financiam ou que desenvolvem elas próprias. Esses problemas tendem a ser grandes, isto é, sentidos por muitas pessoas ou organizações, tendem a ser complexos, e a ser negligenciados, no sentido de mais ninguém ou nenhuma instituição ter intervenção semelhante ao desenhado ou apoiado pela Fundação, ao mesmo tempo que são reconhecidos pelas entidades oficiais como sendo problemas relevantes. Além do tipo de problemas, o processo montado para a sua resolução também parece influenciar o impacto social gerado. Nalguns projetos ou programas foi evidente a existência de empreendedores internos (ou intraempreendedores) que tomam o problema nas mãos e movem pessoas e recursos para construir e ir adaptando a solução. A capacidade de agirem como nó de uma rede de pessoas e instituições, que constroem e cuidam, foi evidente também nalguns dos projetos como imprescindível para o impacto social que geram. Finalmente, ao nível do processo, revelou-se essencial a capacidade de aprender e incorporar essa aprendizagem na ação futura, verbalizada por algumas fundações como investigação-ação. As próprias soluções implementadas ou apoiadas pelas fundações revelaram também algumas características interessantes, que contribuem para o impacto social das fundações. Por um lado, muitas são exemplos de inovação (social), por outro já tinham passado a fase de teste e de validação, encontrando-se em processo de crescimento ou até de escalada. Finalmente, algumas das soluções evidenciaram ter sido capazes de influenciar positivamente as políticas públicas, o que em si consiste numa dimensão de impacto social relevante.
Este trabalho apresentou o No Poupar Está o Ganho (NPEG) como um dos Estudo de Caso. Que motivos levaram à escolha deste projeto e da Fundação Dr. António Cupertino de Miranda?
Uma vez que o estudo se baseava numa metodologia de casos, o primeiro passo consistiu na seleção das fundações a analisar em profundidade. Essa seleção foi realizada por um conjunto de quase quatro dezenas de peritos que foram entrevistados pela nossa equipa. Esses peritos incluíram pessoas que conhecem bem o mundo das fundações, ou que fazem avaliação de projetos; sobretudo especialistas nestas duas dimensões. A lista dessas pessoas encontra-se no relatório final do projeto disponível no site do Centro Português de Fundações. A estas pessoas pedimos que nomeassem as fundações portuguesas privadas que, na sua perspectiva, mais impacto social geram. As mais nomeadas foram as fundações que estudamos em maior detalhe. Assim, a Fundação Dr. António Cupertino de Miranda posicionou-se neste grupo das mais nomeadas. O passo seguinte consistiu na escolha, em cada fundação, do projeto que evidencia maior impacto social. Para o efeito, a equipa reuniu e analisou muita informação pública disponível sobre as fundações nomeadas e as suas atividades. Nalguns casos interagiu com colaboradores da fundação para confirmar informações e para, até certo ponto, validar as escolhas da equipa. No caso da Fundação Dr. António Cupertino de Miranda, o projeto No Poupar Está o Ganho foi uma escolha evidente, e o estudo do caso coube a uma das colegas da equipa, a Dra. Leonor Sopas.
O estudo sublinha que às Fundações está inerente a capacidade de inovar e a vontade de fazer a diferença na sociedade. De que forma é que estas características se fizeram notar no No Poupar Está o Ganho?
O No Poupar Está o Ganho destaca-se de várias formas. Desde logo pela temática da educação financeira, verdadeiramente inovadora em Portugal e além. Pegando num ativo, que é o Museu do Papel Moeda, a Fundação iniciou no ano letivo de 2010/2011 este projeto que visa combater o défice de literacia financeira de crianças e jovens desde o ensino escolar até ao ensino secundário. Não nos podemos esquecer o que se passava nessa altura no mundo e em Portugal, na sequência da crise subprime e a subsequente crise financeira mundial. O projeto foi também inovador porque desde o início a Administração da Fundação considerou que a medição de impacto era imprescindível, algo que conseguiu concretizar a partir de há quatro edições atrás. Os estudos que mediram esse impacto confirmaram o efeito do No Poupar Está o Ganho na melhoria significativa das competências financeiras dos participantes, bem como nas atitude, expectativas e emoções relacionadas com a gestão quotidiana do dinheiro. O No Poupar Está o Ganho é também inovador na forma como atrai e mantém consigo escolas, com os seus professores e alunos, as famílias dos alunos, responsáveis autárquicos, o Banco de Portugal, entre outros. A Fundação Dr. António Cupertino de Miranda mantém permanente ligação com o terreno, escuta, aprende e ajusta. Esta postura ativa que encontramos na Fundação e no No Poupar Está o Ganho é uma característica distintiva e inovadora na forma de intervir na sociedade.
O Estudo de Caso sobre o NPEG apresenta um retrato de toda a sua evolução. Como foi para a equipa conhecer este projeto, inclusivamente, através da voz de alguns dos seus intervenientes e parceiros?
Descobrir o NPEG em toda a sua história, caminho e resultados foi uma experiência inspiradora e gratificante para a equipa do estudo. Não só o projeto em si se revelou inequivocamente eficaz na contribuição para resolver o problema, como a postura da equipa da Fundação, próxima do terreno, dos atores, surpreendeu pela enorme sensibilidade com que gere a complexa teia de relações que sustenta o projeto, e pela enorme humildade com que se dispõe a aprender pelo caminho.
No estudo, recorda-se, por exemplo, que com o NPEG mais de 60% dos alunos melhoraram as suas competências de literacia financeira e também que há influência comprovada do projeto nas políticas públicas. Para além de resultados como estes, que são acompanhados com frequência, é possível que o impacto de projetos como o NPEG seja superior ao mensurável, tendo em conta que falamos de mudanças de comportamentos a longo prazo?
Claro que sim. Quando falamos em impacto social estamos a referir-nos a efeitos a prazo, e estes podem evidenciar-se ao longo de toda a vida das crianças e jovens que integram o NPEG. Ao longo da sua vida, enquanto adultos, várias das suas decisões poderão vir a ser influenciadas pelas experiências e aprendizagens no NPEG. E isso só se captará daqui a vários anos. Além disso, já hoje, há com certeza muitos impactos sociais positivos do projeto que não se conseguem medir. Em todas as decisões de afetação do orçamento familiar, nas escolhas das compras a realizar no dia-a-dia, o que as crianças, os jovens e as suas famílias aprenderam com o NPEG impacta. Já existem evidências de que assim é. Mas não se pode captar tudo, não é humanamente e financeiramente possível implementar um sistema de avaliação de impacto com essa ambição de captar todos os impactos.
Também no estudo, pode ler-se que “mais relevante do que medir desempenho e impacto, é gerir para gerar impacto”. Esta gestão para gerar impacto foi algo que identificaram no No Poupar Está o Ganho?
Sem dúvida. Medir impacto não é um fim em si mesmo e para a Fundação Dr. António Cupertino de Miranda isso sempre foi muito claro. Conhecer quantos alunos melhoraram, em cada ano, as suas competências de literacia financeira, não se esgota na percentagem que se obtém. A Fundação utiliza esses dados e outros para ajustar o desenho do projeto, sempre que necessário. E transmite os resultados da avaliação aos vários intervenientes do projeto de forma a que também estes possam ajustar a sua participação. Por exemplo, foi o caso do número mínimo de sessões com os alunos durante o ano letivo, para que o projeto gerasse impacto. A avaliação, de resultados e dos impactos está ao serviço da gestão na Fundação. E gerir para o impacto é também saber partilhar a aprendizagem com a rede de intervenientes.
Dos projetos estudados, apenas o No Poupar Está o Ganho se encontra na fase de “Mudança Sistémica” no processo de inovação social. O que significa esta Mudança Sistémica que o projeto está a gerar?
A mudança sistémica é o objetivo último da inovação social. O NPEG foi o projeto que se revelou mais próximo dessa fase sobretudo porque conseguiu já incorporar a sua experiência e aprendizagem em documentos oficiais de referência para a ação na área da educação. O NPEG contribuiu já para o Plano Nacional de Formação Financeira e para o Referencial de Educação Financeira para a Educação Pré-Escolar, o Ensino Básico, o Ensino Secundário e a Educação e Formação de Adultos. Além disso, houve já transferência da aprendizagem de como desenhar e operacionalizar projetos de educação financeira para outros públicos, como para o projeto da Fundação “Eu e a Minha Reforma”.
O Estudo “O Impacto Social das Fundações Portuguesas” revela que as Fundações são um tipo de entidade largamente desconhecido em Portugal. Estamos prestes a celebrar o Dia Europeu das Fundações e Doadores e, por isso, terminamos com uma questão acerca do papel destas entidades na sociedade. Quando foi lançado este estudo, referia que as Fundações têm “algumas características que as tornam únicas”. Que características destacaria como essenciais para que uma Fundação possa cumprir o seu propósito?
As Fundações privadas distinguem-se das associações por terem um património como elemento central e distinguem-se das empresas por terem que ser de interesse social, dedicando-se a causas, aliás previstas na lei. Esse património deverá ser suficiente para a prossecução dos seus fins, o que não significa que a sua ação esteja limitada a este. Aliás, enquanto agentes de inovação social, as fundações podem ser e são muitas vezes mobilizadoras de recursos de outros – privados e/ou Estado - para a resolução de problemas e promoção de causas. Mas mais do que tudo isto, as fundações são diferentes porque não estando dependentes nem do mercado, como estão as empresas, nem de ciclos eleitorais, como o governo e até as associações, gozam de uma autonomia e independência que lhes permite, em conjugação com um património e a capacidade de mobilizar recursos, uma enorme liberdade para experimentarem e inovarem, assumindo o risco da eventual falha. E quando se revelam boas as soluções que constroem para os problemas, essas podem depois ser assumidas por outros e escaladas. Portanto, o caráter único das fundações, para mim, está nessa capacidade e liberdade de inovar.