Cidadania e Literacia Financeira – uma casa de todos
A definição de um currículo escolar não é tarefa fácil. Neste mundo de acelerada produção de conhecimento, em que a tecnologia se desenvolve todos os dias, sentimo-nos encurralados entre a vontade e necessidade de continuar a ter a escola como a sede dos saberes clássicos, e o espaço onde abrimos os olhos para a beleza do que não precisa de ter aplicação prática (todos os saberes que decorrem de trabalho teórico e fundamental). Temos, também, a convicção de que a escola tem de preparar para uma cidadania ativa e para a integração da transformação.
O currículo pode ser comparado a uma caixa onde todos queremos meter tudo: a língua, as humanidades, as ciências sociais e a matemática, mas também as ciências e as artes e, dentro de cada uma delas, todos os subdomínios de cada uma das disciplinas. A caixa não se alarga, mas o conhecimento aumenta. Ao mesmo tempo, vamos entendendo que há novos domínios a trabalhar e que a caixa não está cheia de caixinhas mais pequeninas fechadas. Estas caixas comunicam entre si, porque as perguntas com que nos deparamos todos os dias convocam muitos saberes. Perceber hoje as alterações climáticas é trazer biologia, economia, química, física, filosofia para uma problematização completa e para a descoberta de respostas.
Para além destes saberes que se cruzam, novas necessidades emergem. Que futuro tem uma escola que não desenvolve competências digitais? Preparamos bem jovens que não conseguem ler uma notícia e avaliar o que são factos e o que são opiniões? Desenvolvemos competências sociais e emocionais estruturantes para a vida? Promovemos rotinas de resolução de problemas, para além do enciclopedismo?
Neste quadro complexo de gestão curricular, sentimos também a pressão de preparar os alunos para poderem fazer escolhas em liberdade. Escolher como querem estar no mundo e interagir com os problemas que os rodeiam. Viver em sociedade significa ser agente de um pacto social em que construímos juntos, no respeito pela diferença e pela diversidade, na capacidade de entender que cada um de nós não existe se os outros não existirem.
A área curricular de Cidadania e Desenvolvimento foi construída para que a escola, agregando os conhecimentos consolidados em todas as disciplinas, faça pontes com o mundo real, com esta possibilidade de escolher e debater. Proporcionam-se aos alunos hipóteses e problemas, estimula-se a discussão e o conhecimento para que as nossas escolhas sejam fundamentadas em evidências.
A área da literacia financeira é, não raramente, vista como desgarrada de uma disciplina em que se trabalha segurança, direitos humanos, liberdade. Parece que se transportam os alunos para o mundo cinzento dos mercados financeiros. Nada disso. Ser cidadão, ter liberdade e disponibilidade para agir, implica ter a capacidade de gerir a sua vida, consumindo responsavelmente, desenvolvendo práticas de organização e de poupança, conseguindo construir equilíbrios entre o que desejo e o que posso, entre o que é prioritário e o que é acessório, entre uma gestão egoísta ou altruísta. Também esta não é uma área estanque do currículo. Ter recursos não é um privilégio, é um direito humano. Educar para uma gestão consciente desses recursos e para uma capacidade de ação no mundo do trabalho é propor que a ética, a solidariedade e o compromisso norteiem a construção de uma sociedade em que todos têm direito ao conforto e ao bem-estar.
Cidadania é isto: a gestão da casa comum que construímos e onde queremos continuar a viver. A dificuldade de cada um é um problema de todos os outros. Só somos cidadãos se ocuparmos esse espaço de relação que é a sociedade. Cidadania é, pois, cumplicidade e corresponsabilidade. E a escola é um espaço por excelência para que isso aconteça.
Assim, os saberes podem complementar-se, validar-se e transformar-se. E o currículo torna-se uma caixa que se abre e se expande nas suas potencialidades.